O Nordeste cresce mais que o Brasil e ganha poder econômico
A região já tem um poder de compra estimado em quase 450 bilhões de reais. Mas, com uma classe média que deverá alcançar 50% da população em cinco anos, sua ascensão está apenas no começo
São Paulo - No momento em que a economia do brasil caminha de lado e cheia de incertezas, com previsão de crescimento de pouco mais de 2% neste ano, o Nordeste ganha corpo na mira das empresas. O produto interno bruto da região no ano passado teve expansão de 3% — é pouco, mas foi mais que o triplo da média do país.
Ali, onde vive mais de um quarto da população brasileira, a classe média foi engrossada em 20 pontos percentuais na última década, alcançando 42% dos habitantes. A classe A também ganhou agregados e saltou de 5% para 9% desde 2002.
Com o objetivo de discutir o potencial da região, foi realizado no dia 13 de agosto, em Recife, o primeiro EXAME Fórum Nordeste. O evento reuniu políticos locais e executivos de empresas com atuação na região. Estiveram presentes os governadores Eduardo Campos, de Pernambuco, Jaques Wagner, da Bahia, Ricardo Coutinho, da Paraíba, e Rosalba Ciarlini, do Rio Grande do Norte. O governador paraibano ressaltou que há um espírito de colaboração entre os estados nordestinos. “Temos um interesse comum e, se juntarmos esforços, poderemos ampliar essa fronteira de desenvolvimento do país”, disse Coutinho. Pelo setor privado, participaram dos painéis de discussão presidentes de companhias como Boticário, Walmart, Whirlpool, Alesat, Eletro Shopping e Três Corações.
Para as empresas ficou uma certeza: quem quer crescer no país precisa estar no Nordeste. “A região responde por mais de 30% do consumo de cosméticos no Brasil e tem grande potencial de expansão”, disse Artur Grynbaum, presidente do Grupo Boticário. “Muitos dos produtos que lançamos pensando no consumidor nordestino viram sucessos nacionais.” O poder de consumo nessa parte do Brasil tem muito espaço para evoluir. “Em cinco anos a classe média nordestina deverá superar os 50% da população”, diz Renato Meirelles, presidente da empresa de pesquisa Data Popular, que apresentou um estudo inédito no evento. Os números são animadores: o poder de compra dos nordestinos já chega quase a 450 bilhões de reais, valor que corresponde à economia de países como Peru e República Checa.
Apesar dos desafios estruturais, como logística precária e escassez de mão de obra qualificada, e dos problemas sociais, o otimismo predomina na região. “As maiores oportunidades de negócio nos próximos anos estão em cidades médias, com até 500 000 habitantes”, disse Claudio Porto, presidente da consultoria de gestão Macroplan, que fez a palestra de abertura do fórum. “Atualmente, elas são a parte mais dinâmica do Nordeste.” O varejista Walmart identificou esse potencial há nove anos, quando comprou a rede Bompreço — empresa nordestina que pertencia ao grupo holandês Royal Ahold — por 300 milhões de dólares. Quase metade das 557 lojas do Walmart no país está na região. “Entramos no lugar certo, na hora certa”, disse José Rafael Vasquez, vice-presidente comercial do Walmart. Os resultados obtidos justificam o foco da rede no Nordeste. Cerca de 28% da renda dos nordestinos é destinada à alimentação, enquanto a média nacional é de 24%. O Walmart tira bom proveito disso: enquanto o tíquete médio das compras em supermercados no país todo é de 19 reais, os nordestinos gastam em média 49 reais nas lojas do Walmart. “O Nordeste é outro Brasil”, afirmou Vasquez. O ritmo de crescimento do Nordeste é maior porque a região ficou estagnada por muito tempo — partiu de um ponto mais baixo na escala do desenvolvimento. “De uma década para cá, sentimos os efeitos de uma série de políticas públicas que aumentaram o emprego e a renda”, disse o governador Eduardo Campos. “Mas ainda temos só 13% do PIB do Brasil, com 28% da população. Para igualar as coisas, precisamos crescer 3 pontos acima da média do país durante ao menos 16 anos.”
A superação do atraso gera muitas oportunidades. Foi o que notou o Banco Gerador, fundado há quatro anos em Pernambuco. Como apenas metade dos nordestinos é servida por bancos, a instituição trabalha justamente para atender quem não tem conta-corrente. Recebe 1,5 milhão de pagamentos de títulos por mês nas 110 lojas Banorte, espécie de rede que oferece a pessoas físicas serviços como microcrédito, empréstimos e seguros. “Não temos a pretensão de competir com os grandes bancos”, afirma Paulo Dalla Nora, presidente do Banco Gerador. Além de atuar com pessoas físicas no Banorte, o Gerador atende pequenas e médias empresas com negócios de até 50 milhões de reais. “Queremos o cliente que os grandes bancos não querem”, diz Dalla Nora.
A pesquisa do Data Popular aponta que o potencial de vendas no Nordeste, durante os próximos 12 meses, soma 1,2 milhão de imóveis, 1,6 milhão de carros e 1 milhão de motos. O levantamento ainda indicou que os nordestinos estão cada vez mais sofisticados. A região concentra a maior intenção de compra do país em itens como notebooks, smartphones e tablets. Não é à toa que empresas como Samsung e LG têm voltado a atenção para a região. Mas produtos tradicionais, como máquinas de lavar e refrigeradores, ainda são objeto de desejo de muitos lares nordestinos. O mercado regional responde por 22% das vendas de linha branca do país. Isso porque, enquanto 53% dos brasileiros têm uma máquina de lavar, apenas 27% dos nordestinos dispõem do produto. Os micro-ondas estão presentes em apenas um terço das casas. “Há muito espaço para crescer, porque muitas vezes trata-se do primeiro eletrodoméstico da família”, disse João Carlos Brega, presidente da fabricante de eletrodomésticos Whirlpool. Além da demanda reprimida, Brega acredita que o mercado se manterá aquecido na região porque recentemente o governo federal anunciou 2 bilhões de reais para uma nova linha de financiamento à compra de móveis e eletrodomésticos, destinada aos participantes do programa Minha Casa, Minha Vida.
A hora é agora
As iniciativas governamentais têm grande participação no aumento de renda da região — a mais beneficiada do país. Em 2013, o Bolsa Família deve repassar 25 bilhões de reais para mais de 13,8 milhões de famílias, metade delas no Nordeste. Na região, quatro em cada dez famílias recebem o benefício social, com valor médio de 152 reais por mês. Com o aumento da renda por meio dos programas sociais, a região viu sua indústria crescer nos últimos anos. Empresas como Fiat, GE, Bauducco e Kimberly-Clark se instalaram ou anunciaram fábricas locais. Para essas companhias, a melhor hora para estar no Nordeste é agora.
Esse também é o caso do Boticário, segundo maior fabricante de cosméticos do país, que vai inaugurar sua primeira fábrica no Nordeste em 2014. Segundo Artur Grynbaum, do Boticário, a unidade em Camaçari, na Grande Salvador, vai dobrar a capacidade produtiva no país. Foram investidos 535 milhões de reais na fábrica e em um centro de distribuição. “As vendas na região crescem acima da média brasileira, na ordem de 15% ao ano, e decidimos nos aproximar mais desse mercado”, diz Grynbaum. Cerca de 30% das 1 081 lojas do grupo estão nas regiões Norte e Nordeste e a nova fábrica vai atender esse mercado.
Enquanto o Nordeste recebe fábricas de empresas que antes só vendiam por lá, companhias fundadas na região têm saído a campo pelo país. A Alesat Combustíveis ergueu seu negócio atendendo pequenas cidades nordestinas. “São municípios com uma frota crescente”, disse Marcelo Alecrim, presidente da Alesat. “Pessoas que andavam de jegue compraram sua primeira motocicleta e precisam abastecer.” Após ter se tornado a segunda maior distribuidora da região, a Alesat ampliou a cobertura e atualmente o Nordeste representa 25% do faturamento anual de 8,9 bilhões de reais.
No mesmo caminho, o Grupo Três Corações, fundado no Rio Grande do Norte como Santa Clara, há 54 anos, passou de pequena produtora de café a líder de mercado no Nordeste e, recentemente, o primeiro colocado no país todo, com 2,2 bilhões de reais de faturamento. “Com o que aprendemos de logística na nossa região, ganhamos uma vantagem competitiva para atuar em qualquer lugar”, disse Pedro Lima, presidente da Três Corações. A expansão das empresas nordestinas comprova que não é só o Brasil que está de olho no Nordeste. O Nordeste também está de olho no Brasil.
Fonte: exame.abril.com.br